segunda-feira, outubro 08, 2007

Lacrimae Rerum


Há uns dois dias atrás, uma imagem de um santo, ao contrário de todas as outras, que parecem sempre modeladas pelas mesmas mãos, dado o similar sorriso piedoso sempre presente, despertou a minha curiosidade. Era uma imagem com um manto liso até aos pés, como todas as outras, com sorriso de plástico, como todas as outras, muda e inerte, como todas as outras. A diferença desta santa, era a sua postura. Estava curvada, como se realmente ouvisse as queixas e os lamúrios de quem aos seus pés se prostra, ao contrário de todas as outras. Não era como as outras santas de sorriso intocável no seu pedestal de gesso frio, com um coração nas mãos, ou três pombas aos pés a penicarem talvez os grãos da eternidade. Tinha um ar de quem realmente se interessava pelo que alguém cá em baixo dizia. E tenha aquele habitual sorriso à monalisa, sorriso de quem está tão pedrado que não faz a mínima ideia do que se passa à sua volta. Mas, ainda assim, parecia ouvir com um ar maternal tudo o que lhe quiséssemos contar. Convidava-nos a sentar aos seus pés e a partilhar com ela as mágoas e as dores.

Mais tarde vim a saber que era Nossa Sra. de Fátima. Como podia eu adivinhar? Faltavam as três triviais pombas brancas! E o terço! E a coroa! Talvez por isso parecesse mais humana que os colegas de poleiro. Estava ali, sozinha, sem ar imponente, a olhar para nós. Quase podíamos tratá-la por "tu" e chamá-la de "Fatinha".

A Fatinha contrastava com todos os que a cercavam. Tínhamos o Jesus com o coração ensanguentado nas mãos, o António descalço com o menino ao colo e o seu modesto manto todo ornamentado com berlicoques dourados (estava descalço! Por isso não é pecado ter um manto banhado a ouro!) e outros, cujos nomes desconheço, mas em muito se assemelhavam com o careca, mas sem menino ao colo, de manto dourado, com ar gélido e sorriso zen.

Quando eu era pequena, acreditava que os meus bonecos ganhavam vida durante a noite e brincavam enquanto eu dormia. Se assim fosse, então também os santos tinham direito a dobrar as costas quando ninguém estava a ver, a dizer palavrões ao tropeçarem nas saias enquanto assumiam os seus postos quando ouviam o acólito subir os degraus da igreja ou a dizer "Deixa-me em paz, hoje não estou para conversas" depois de uma noite em claro passada a jogar às cartas no altar, quando um fiel teimava em pedir-lhe auxílio.

Disparate! Agora são santos! Outrora foram humanos e comiam e dormiam e zangavam-se e mentiam de vez em quando, mas depois algum padre decidiu que eles eram santos e então foram condenados a passar os dias em pé, obrigados a susterem a respiração quando alguém está a ver, entre cortinados com cheiro a mofo, cera queimada e santos bocejos.

quarta-feira, outubro 03, 2007

Cruzas a porta com algo atrás das costas e o teu sorriso de miúdo travesso inunda a sala. O ar de ansiedade com que me olhas enquanto eu rasgo o papel... O brilho que fica nos teus olhos quando eu sorrio e agradeço... Esses são os presentes que realmente importam. Imagino-te a escolher o livro. Ou melhor, imagino-te a lembrares-te de mim quando o livro te passa pelas mãos. Não é difícil escolher mais um Lobo Antunes! Tu sabes. E sabes tantas outras coisas... Sabes o nome científico de tudo o que eu preciso, sabes o nome de todas as capitais da minha felicidade, conheces os pormenores da complexidade do meu sorriso. Imagino-te à procura das palavras certas para escreveres qualquer coisa que sabes ser importante para mim. Sabes tanto de mim... Conheces cada recanto do meu corpo como conheces cada pedaço da minha alma. Amo-te por isso, amo-te por todas as outras coisas que nunca te vou conseguir explicar, amo-te por tudo o que significas para mim e por tudo o que tudo significa quando estou contigo... Amo-te muito... Aliás, no fundo no fundo, acho que nunca deixei de te amar.

quinta-feira, setembro 27, 2007

Porque ainda há coisas por dizer...



Há dias em que simplesmente fingir que o passado não nos persegue não chega...
Há dias em que continuo presa a um passado que não me pertence....
Hoje sei que passei pela tua vida como um espectro, como uma sombra que tu nem sempre vias e sempre conseguiste ignorar. Aos teus pés, Narciso é o mais altruísta dos filantropos! No teu mundo só tu contas, só tu interessas. Tudo se resume à tua egoísta e mesquinha existência...
Não, não sinto nada por ti. Simplesmente não consigo apagar de mim a tua memória...
Queria dissimular a tua presença com pósinhos de esquecimento, mas pareces pertencer a um pretérito imperfeito... O traço da pena não chega para rasurar as marcas que deixaste nas páginas da minha vida.

quarta-feira, setembro 26, 2007

Amo-te...

Amo-te... Uma simples palavra, tantas vezes sussurrada entre sorrisos, silêncios e suores, encerra toda o aconchego com que te abraço, a paixão com que te beijo, o olhar brilhante com que te vejo chegar e o coração dilacerado quando me despeço de ti. Ficam em mim o teu sorriso, quando sinto as lágrimas presas na garganta... o teu cheiro, quando não te tenho comigo... o teu amor, quando quero sonhar e não consigo fechar os olhos...
Amar-te faz parte de mim... cansada de te esperar em vão, julguei-me capaz de adormecer esse sentimento cá dentro, escondê-lo no mais recôndito esconderijo, mas a verdade é que a palavra "amigo" nunca foi um sinónimo exacto para ti no meu dicionário... Queria ver-te como um amigo, mas sentia-te como algo mais do que isso...
Amo-te... Porque sim e porque não...