segunda-feira, maio 12, 2008

1 - Perspectiva isométrica

Hoje aconteceu-me uma coisa estranha... Cruzei-me à porta do estúdio com uma rapariga que por algum motivo despertou a minha atenção. Uma rapariga completamente normal, alta, magra, morena, de cabelos curtos, pretos e lisos. Não, não se vestia de preto, não tinha tez pálida nem olhar melancólico como as mulheres que povoam o meu imaginário e servem de inspiração às minhas músicas. Não me lembro como estava vestida, só sei que tinha uma camisa vermelha com um enorme decote. Não sei porque razão depois de os nossos corpos quase se tocarem olhei para trás e a segui com os olhos. Estava longe de ser o tipo de mulher que me faz virar o pescoço na rua, mas a verdade é que me senti preso a ela, como se a conhecesse. Não o "conhecer" do bar, ou do restaurante ou de casa de uma amiga. Senti que a conhecia milimetricamente, por dentro e por fora, como se as nossas almas contíguas tivessem uma existência comum, como se os meus dedos conhecessem cada poro da sua pele. O mais estranho é que ela ficou a olhar para mim, com os mesmos olhos com que eu a olhei... Foi como se tudo à nossa volta tivesse parado, como se tivesse caído num estado de coma. Por segundos, deixei de ouvir o que quer que fosse, só a sentia a ela e ao sangue espesso a latejar-me nas temporas. Voltei à realidade quando ouvi a travagem brusca de um carro. O sinal estava vermelho e ela atravessou a rua. Nesta altura já eu estava especado a olhar para ela, a olhá-la, caída no chão a procurar-me no meio da multidão, enquanto o condutor do carro lhe perguntava qualquer coisa, talvez estranhando a despreocupada atitude dela. Pensei ir ver se ela estava bem. Não fui. Virei costas, cobarde, como sempre, com medo do que estava a sentir...
J.T.
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Hoje aconteceu-me algo no mínimo curioso... Ia para o escritório pela 31 de Janeiro quando uma rapariga atravessa a passadeira sem sequer olhar para o semáforo. Parecia completamente absorta a olhar para não sei onde. Travei assim que me apercebi e consegui evitar o pior. O carro ainda embateu nela. Caiu, mas não me magoou. Saí do carro a correu, para a ajudar. Não sei o que se passava com ela, parecia unicamente preocupada em procurar alguém para lá do aglomerado de curiosos que rapidamente nos rodeou. Enquanto a ajudava a levantar tentei perceber para onde é que ela olhava tão persistentemente e vi um rapaz parado no meio do passeio a olhá-la. Não olhava para a rapariga que quase foi atropelada, como os outros, olhava para ela, de uma forma como já não via há muito tempo... Entretanto o rapaz virou costas, arrastando umas botas pretas, de mãos enfiadas num casaco de cabedal e olhos no chão. A rapariga, agora ciente do que tinha acontecido, pediu desculpa e seguiu o seu caminho, sempre a olhar para o outro lado da rua. Entrei para o carro e não detive um sorriso. "Estes jovens!" Parecia tratar-se de mais um cinematográfico caso de amor à primeira vista. Daqueles que arrebatam corações, levam a juras de amor eterno e, meses mais tarde, a uma visita ao meu gabinete com um pedido de divórcio.
A. Silva
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Hoje aconteceu-me uma coisa esquisita... Sei que hoje não é sexta-feira, mas tinha de te contar isto. Hoje de manhã, quando ia para o restaurante, passei por um rapaz muito parecido contigo. Parecia mais um desses gós niilistas com a mania que a vida é uma merda. Estava de preto, todo de preto, olhos pintados, cheio de correntes. Mas era tão parecido contigo... Eu sei... Vi muita gente parecida contigo no iníco. Mas desta vez foi diferente... Segurava no cigarro da mesma forma que tu... Tinha o teu olhar... Para além de fazer figura de estúpida a olhar para ele, ia sendo atropelada! O mais esquisito é que ele também ficou a olhar para mim. Era como se houvesse qualquer coisa a ligar-nos... Parou no meio da rua, mas depois acabou por seguir o caminho dele. Foi como ter-te ali por instantes, mano... Já passaram quase 5 anos e continuo sem aceitar... Tenho tantas saudades tuas... Também tenho saudades dele, mas tu fazes-me mais falta... tenho saudades do meu mano pequenino, tenho saudades de passar uma tarde inteira a falar sobre tudo e sobre nada aninhada no teu colo, tenho saudades do ar de irmão mais velho e protector com que me davas colo quando eu precisava chorar... Sinto tanto a tua falta. Dava tudo para te poder ver uma única vez, para te dizer que te amo muito, mano... Parece que quando estavas vivo não te disse vezes suficientes o quanto eras importante para mim, o quanto te amava... Queria tanto ter-te aqui comigo... Prometemos tantas vezes que estariamos sempre aqui um para o outro... Onde estás agora?
Lembras-te quando eras miúdo e vieste com uma conversa sobre os anjos cheirarem a nuvens? Depois de em vão me tentares convencer, disseste muito chateado que como eu era mais velha ia morrer primeiro e fizeste-me prometer que ia voltar para te dar razão, para te dizer que os anjos cheiram a nuvens. Afinal tu é que morreste primeiro...
S.M.

3 comentários:

Anónimo disse...

Sempre temos aqui o texto que justifica o título do blogg... :) muito bom o título, gostava de sentir o cheiro das nuvens:) beijinho

Medeia

angie disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anónimo disse...

Este não é o texto que justifica o título do blog. Esse já foi escrito em 2006. Um dia mostro-te