quinta-feira, julho 30, 2009

5. Perspectiva bidireccional

Hoje beijámo-nos... Aliás, acho que fui eu que o beijei a ele... Pelo menos fui eu quem deu o primeiro passo.
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Já tínhamos ficado várias vezes presos a um quase beijo, entre sorrisos e olhares embaraçados, mas nunca ninguém se atrevia a fazê-lo... Sabes como eu sou... deixei-me levar e aconteceu... Eu sabia que ele nunca iria fazê-lo, já o conheço demasiado bem. Tem namorada, para todos os efeitos, e, além disso, é demasiado cauteloso e ponderado para tomar a iniciativa de se envolver com alguém... principalmente comigo... Acho que o assusto... Já te disse, mano, eu não sou o tipo de rapariga para quem o J. olhe duas vezes na rua. Tenho um aspecto demasiado normal para ele, sou exactamente o oposto daquilo a que ele está habituado. Acho que é isso que o confunde e simultâneamente o deixa fascinado.
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O J. está habituado a miúdas de cabelos compridos, branquelas e vestidas de preto. Eu sou o oposto disso tudo... Nem sequer temos muito em comum. Acho que só mesmo o género de música que ouvimos, e mesmo assim passamos horas a discordar um com o outro relativamente às incomparáveis prestações de Tarja ou Anette como vocalista dos Nightwish. Discordamos acerca de quase tudo, mas entendemo-nos bem, apesar de tanta divergência. Acho que nem ele próprio entende que raio viu em mim! Tal como eu também não entendo porque me fui envolver com um tipo como ele...
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Não posso dizer que está perdidamente apaixonado por mim, tal como eu não estou perdidamente apaixonada por ele, mas sei que mexo com ele, tal como ele mexe comigo. Não sei se da mesma forma, mas sentimos alguma coisa ou pelo outro. E o beijo de ontem foi a prova disso mesmo.
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Pela primeira vez depois da morte do Pedro senti que beijar alguém fazia sentido. Não te sei descrever o que aconteceu de outra forma, mano, mas senti um perfeito equilíbrio enquanto nos beijávamos, como se não estivéssemos a cometer um erro e o J. não tivesse acabado de trair a namorada por causa de um impulso meu... Limitámo-nos a sorrir um para o outro e eu saí do carro sem dizer uma única palavra... Eu e as minhas atitudes maduras e racionais! Aos 29 já devia ter mais juízo...

Não sei como vai ser amanhã... Nem sequer sei ao certo se ele ainda anda com a tal Rute. Nunca mais falámos disso. Mas não deve gostar muito dela. Isso ajuda a que não me sinta tão culpada...

S.M.

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- Vou acabar com a Rute, Kapa...

- Agora? Tens a certeza, meu?

- Tenho. Já o devia ter feito há mais tempo, faltaram-me tomates para o fazer... Já sabes como eu sou...

- Andas com a Sílvia?

- Não sei... Ontem beijámo-nos. Aliás, ela beijou-me. Acho que foi o empurrão que precisava para acabar com a Rute. Acabaram-se as dúvidas.

- Tu é que sabes, meu...

- Pode não dar em nada com a Sílvia, mas a verdade é que já não faz qualquer sentido eu continuar com ela... Cada vez me convenço mais que foi um erro andar com ela...

- Porquê? Não venhas com essas cenas! Tu gostavas dela meu.

- Pois gostava, Kapa. Mas acho que só deixei que ela se aproximasse de mim para ver se esquecia a Andreia. E depois, até era bastante cómodo andar com a Rute. É uma miúda fixe, não me exigia muito, mas também não dava muito de si... Acho que nunca nos percebems muito bem um ao outro. Ela nunca me entendeu e nunca fiz grande esforço para que isso acontecesse... Mas, não a culpo, não tem nada a ver!

- Então, mas gostas mesmo da tal Sílvia?

- Não sei muito bem... Acho que sim. Ainda estou a tentar perceber o que sinto por ela e a tentar percebê-la...

- Acho que estás apanhado, meu!

- Sei lá, Kapa... A Sílvia é diferente de todas as miúdas com quem já me envolvi... Há qualquer coisa nela que me desconcerta... É o tipo de miúda que aprentemente não me diz nada, mas assim que a conheci... Ela fez-me olhar para as minhas convicções e verdades de uma outra forma. Aparentemente nem temos muito em comum... Até hoje não percebo por que raio fiquei a olhar para ela naquele dia... E depois, tê-la encontrado naquele bar... Tu sabes que não acredito nessas merdas, mas não deixa de ser estranho... É como se ela me visse de uma forma diferente das outras pessoas. Não estou habituado a que me deixem desarmado, e ainda não lido bem com isso...

- É melhor falares com a Rute... É melhor para os dois... Se já não gostas dela...

- Sim, falo com ela hoje. Acho que ela fica bem, é isso que me deixa mais tranquilo...

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